Perereca: Como é que o senhor viu essa decisão do Supremo Tribunal Federal? O senhor alguma vez imaginou que o STF, a mais alta Corte de Justiça do País, pudesse empatar, não decidir, um caso tão importante como a aplicabilidade da Ficha Limpa nas eleições deste ano?
Jader: Confesso que a decisão do Supremo me surpreendeu. Eu imaginava até que pudesse ocorrer um empate, já que na decisão - quem assistiu pôde verificar - além da interpretação técnica de dispositivos e preceitos constitucionais e de princípios de Direito, o que houve foi uma discussão apaixonada, o que, evidentemente, é um grande risco para os tribunais, e de modo especial para um tribunal que tem a responsabilidade, como tem o STF, de estabelecer jurisprudência para todo o País. O que assistimos foi uma discussão em que os princípios do Direito foram abandonados, para que outras preocupações, que não as do Direito, prevalecessem. Confesso que isso me surpreendeu. Como foi uma surpresa para mim que num empate - e nos tribunais, ao longo do tempo, o princípio, que é herdado do Direito Romano, que é toda a base do Direito Ocidental, é que, num empate, em favor do requerente, em favor do cidadão, em relação ao Estado. E a minha maior surpresa, em todo o debate no STF, foi que num empate eu perdi a questão: fui cassado no meu direito de eleito por 1,8 milhão de brasileiros residentes no Pará por um empate, quando o princípio, a regra, em qualquer tribunal, é que, empatando, o presidente tem o voto de qualidade - e o voto dele havia sido a meu favor; e ele havia declarado que a decisão que se buscava era inócua e contrária, inclusive, aos princípios dele e aos interesses da sociedade. E eu jamais imaginava que se fosse abolir um princípio universal do Direito que, em dúbio, pró-requerente.
Perereca: E por que o senhor acha que o STF agiu dessa maneira?
Jader: Em primeiro lugar, abstraída a figura do Jader Barbalho, confesso que, para mim, que tenho formação Jurídica (sou bacharel eu Direito), e como cidadão, tudo foi uma surpresa. Porque você imaginar, como disse o ministro Celso de Melo, que a questão da irretroatividade da lei estava estabelecida no Direito Romano no século II da Era Cristã; portanto, há 19 séculos, que uma lei entra em vigor e que os seus efeitos são a partir da sua edição. Quer dizer: ver o Supremo Tribunal Federal do meu país revogar um princípio jurídico universal dos povos civilizados, o mínimo que, por cortesia, tenho de dizer em relação ao Supremo é que me causou grande espanto. Porque se fosse um juiz de roça - um juiz, como certa vez escreveu o Hélio Gueiros, de forma irreverente, em relação a uma sentença de um juiz de Xixiriteua (risos) – se fosse um juiz de Xixiriteua, eu poderia imaginar que um juiz de Xixiriteua não levasse em conta um princípio jurídico, o que é um precedente gravíssimo. Porque não é só no campo eleitoral: ele abre um precedente para outros campos do Direito, de amanhã não se respeitar a irretroatividade das leis.
Perereca: O senhor não acha que isso aconteceu também porque a Justiça está virando um espetáculo; os juízes estão hoje mais preocupados, o próprio Supremo, com a imagem de cada qual, em vez de se preocuparem muito mais com o Direito, com as leis?
Jader: Eu não tenho a menor dúvida disso. As câmeras de televisão são um instrumento afrodisíaco (risos); o noticiário da imprensa é afrodisíaco, principalmente para alguns iniciados nisso. Alguns que, até pouco tempo atrás, eram figuras anônimas. E isso deve ter uma repercussão psicológica imensa na cabeça dessas pessoas. E essa questão da opinião pública... E aí se verificar, quando se fala em opinião pública - e há uma diferença entre opinião pública e opinião publicada... Porque, se for por opinião pública, esse projeto do tal Ficha Limpa teria sido assinado por 1,3 milhão de pessoas. Eu não vou chegar, como disse o ministro Marco Aurélio, que afirmou que sabe, às vezes, como são coletadas essas assinaturas... Mas se foi 1,3 milhão de assinaturas, se fosse opinião pública, eu tive 1,8 milhão de votos, de pessoas que saíram de casa, levaram seu documento de identidade, assinaram folha de votação e votaram secretamente. Se fosse por opinião pública - com todo o respeito, sem duvidar de como ocorreu a coleta dessas assinaturas - se desrespeitou a opinião pública do Pará. Foram 500 mil votos a mais da assinatura do projeto. E pelo que sei, no projeto original que chegou ao Congresso não estava abrigada essa questão de renúncia: ela foi colocada dentro do Congresso, para inviabilizar a candidatura do governador Roriz, no Distrito Federal. Depois, se falar em opinião pública... Eu acho que o STF, eles chegam lá sem voto... Eu, para chegar ao Senado, tenho de ter votos; e qualquer um, para chegar a cargos públicos, precisa ter votos. Já ministro do Supremo precisa é ter currículo e bons padrinhos. Então, eu acho que quando se chega ao STF, se alcançou o cargo vitalício que é o ápice da administração pública brasileira. Desconheço qualquer cargo mais importante, hierarquicamente, do que ministro do STF. Então, eu acho que essa obrigatoriedade de levar em conta a responsabilidade de interpretar a Constituição, e não estar preocupado em fazer charminho para a opinião pública... Porque se dissesse: não, ministro do STF vai fazer charminho para a opinião pública; ele vai se abstrair de princípios milenares do Direito, porque ele precisa de voto e ele precisa fazer charme, para ter votos, para renovar o seu mandato... Não, eles não precisam. Aliás, nos Estados Unidos, no Poder Judiciário, à exceção, creio, da Suprema Corte, eles precisam ter votos periodicamente, para ocuparem cargos tanto no Ministério Público, quanto para ocuparem cargo de juiz. No Brasil, não. Essas pessoas são inamovíveis, irremovíveis, cargo vitalício... E o Supremo, então, acho que o único compromisso é com a Constituição, com as leis, com a estabilidade do regime democrático. Quer dizer, imaginar – e essa é coisa profundamente dolorosa para mim e para qualquer cidadão – imaginar que juízes do STF estejam interessados em fazer charme para a opinião pública... Até porque, como já foi dito, foi a opinião pública que levou o Hitler a implantar o regime nazista; foi a opinião pública que permitiu a Mussolini implantar o fascismo, na Itália.