Por: Alex Mendes
Meu
avô morreu faz pouco mais de dois anos, com quase 90. Escapou da velhice,
tornou-se sábio. Após o AVC, passou a não mais desconversar a respeito da
morte, consciente de que o tempo vivido, festejado ou sofrido impunha encarar
com tranquilidade o mistério da eternidade. Meu avô passou seus últimos anos
envolvidos no mistério da morte. Sem religião definida, ele sempre dizia que apenas
a fé supera os ditames da razão.
Foi interessante a última conversa que tive com meu avô não lembro
exatamente o dia, mais tenho certeza que o mês foi novembro de 2009, um ano
muito difícil da minha vida. Meu avô foi o analfabeto mais inteligente que já
conheci. Praticamente nunca saiu de Juruti. Ele ficava muito perplexo quando
contava para ele das minhas aspirações. Quando falava da possibilidade de
igualarmos as classes sociais. Aquelas histórias Marxistas que apreendemos no
movimento estudantil nos tempos de secundarista.
Na verdade
ele ficou perplexo comigo a vida inteira. Quando era adolescente queria sair de
Juruti para ir morar com meus pais em Manaus para Estudar, era fascinado por
história, por muitos anos pensei que minha formação seguiria para esse rumo.
Anos depois fiquei apaixonado pelo Jornalismo, isso, se deu pela minha
militância política, nos tempos do Movimento Estudantil.
O nosso
último encontro foi na sala de sua humilde residência em Juruti. Meu avô disse com
os olhos trêmulos e já sabendo que a morte era inevitável, devido o seu estado
de saúde, que o sonho dele era que eu virasse doutor.
Confesso que cheguei perto, passei no vestibular, mas abandonei a faculdade no sétimo período de jornalismo. Ele morreu sem entender porque nunca me interessei em terminar a faculdade para depois virar doutor, como ele sempre sonhou.
Quando era
adolescente detestava a perspectiva de passar minha vida inteira em
Juruti. Quando voltei para Juruti em 2009, mais uma vez ele não entendeu.
Acabei morando em Juruti naquele ano por mais de quatro meses. Não
entendi os designíos do Grande Arquiteto do Universo. Aqueles quatro meses
foram dados por ele para me despedir do meu querido avô. Não tive
espiritualidade para compreender o presente divino.
Na
madrugada quando retornei a Manaus, meu avô se despediu de mim, sentado em uma
cadeira de madeira na cozinha de sua casa e pela primeira vez o vi chorando
copiosamente. Ele disse com a voz já muito debilitada “meu filho vai com Deus”.
Eu o abracei e me despedi dele. Despedida eterna. Foi meu último abraço. Apesar
do corpo castigado pela doença, seu olhar continuava o mesmo de sempre.
Meu avô
era um homem solitário e doente. Era um alcoólatra compulsivo. Mesmo com a
doença conseguiu criar todos os seus filhos. Meu avô não deixou nenhum legado
financeiro, mais deixou lições de vida que guardo pra sempre. Generosidade,
honestidade, determinação e superação foram coisas que ele me deixou como herança.
Passei
minha infância toda tendo vergonha do meu avô, devido seu problema com
alcoolismo. Lembro que ele gostava de ir me pegar na escola e sempre chegava
embriagado. Anos depois sofri com o mesmo problema. Fui escravo da doença que
levou meu avô a morte, por quase cinco anos. Há um ano luto para me libertar
do problema que me fez desistir de virar doutor, como meu avô queria.
Passei
cinco anos da minha vida lutando contra um mostro que existia dentro de mim.
Foram longos cinco anos. Graças ao
Grande Arquiteto do Universo consegui me libertar do problema e hoje sigo minha
caminhada neste plano espiritual, sóbrio e sereno.
No inicio do ano de 2012, paguei os débitos que tinha na faculdade e pedi meu retorno no curso que
tranquei há sete anos. Depois que sai da faculdade sentei em um banco na Praça
da Polícia. Lembrei-me dos olhos penetrante do meu avô, quando me despedi dele,
naquela madrugada de novembro de 2009. Pensei na noite fria que percorri até o
porto de Juruti. Pensei nos encontros e despedidas, entre meu avô e eu. Meu avô
gostava dos encontros, mas, odiava as despedidas. Lembrei-me do seu chapéu de
palha, senti seu abraço afetuoso. Lembrei-me da poesia escrita pelo mestre Alcides Werk....
Hoje é dia de festa nesta casa:
Festa dos círios e das lamparinas.
Um corpo magro sobre a mesa, e aporta,
De esteira aberta para os companheiros
Beatas, terços, cafezinhos, estórias,
O choro inútil da mulher sozinha.
A promessa do céu dos escolhidos,
E uma herança de palha e de abandono.
Brasileiro, do norte, agricultor.
Semeou, semeou a vida inteira,
Fez o campo florir por tantas vezes,
Alimentou mil pássaros vadios,
Foi sempre bom, mas nunca teve sorte,
E se vestiu de trapos para Morte.
Festa dos círios e das lamparinas.
Um corpo magro sobre a mesa, e aporta,
De esteira aberta para os companheiros
Beatas, terços, cafezinhos, estórias,
O choro inútil da mulher sozinha.
A promessa do céu dos escolhidos,
E uma herança de palha e de abandono.
Brasileiro, do norte, agricultor.
Semeou, semeou a vida inteira,
Fez o campo florir por tantas vezes,
Alimentou mil pássaros vadios,
Foi sempre bom, mas nunca teve sorte,
E se vestiu de trapos para Morte.
Honestidade, este é o maior legado por ele deixado: a crença
na grandeza da pessoa humana, que me faz com alegria lembrar, da sua dignidade,
não da sua morte, mas a sua vida repleta de ensinamentos.
Valeu meu avô!
A∴M∴B∴
Belo e corajoso texto, parabens. Ribamar Bessa
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